Estou bem acompanhado...!

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Santos na consciência

A Europa foi em tempos banhada pela fé Cristã, mantendo-se assim os povos unidos numa só crença. O Catolicismo afigurou-se, desde o nascimento de Portugal, como a religião predominante no país. No entanto, e com o passar dos séculos, poucas são as nações que se revelam - ainda – profundamente devotas. À excepção de alguns líderes mundiais, a visibilidade da religião esmoreceu-se e já nem se ouve praticamente falar de Deus.

No entanto, são ainda milhares os devotos em Portugal. A referência das Aparições de Nossa Senhora de Fátima aos três pastorinhos tornou-se o principal motor do Cristianismo no nosso país, revelada esta realidade pelas multidões que visitam, ainda hoje, um dos mais adorados santuários do Mundo. Mas será só em Fátima que os fiéis portugueses se reúnem? Não estará a comunidade cristã a envelhecer? Como será, afinal, que os próprios jovens deste país olham para a religião?

Diogo Cunha tem vinte e um anos, e coloca hoje um ponto de interrogação bastante grande na sua vida. Desde cedo evitou assumir-se como um católico convicto, mesmo apesar de ter frequentado ensinos católicos. No colégio, a religião não era imposta aos alunos. “Havia só umas orações ao almoço ou mais na altura do Natal, mas nada de especial. Havia, no entanto, uma disciplina de Moral, mas que era optativa. Na altura falei com a minha família e preferi não a frequentar.” No entanto, e apesar desta medida, tida como drástica para um rapaz da sua idade, Diogo nunca deixou de rezar todas as noites. “Rezava um Pai-nosso e pedia sempre três desejos para o dia seguinte…” É agora esta dúvida que o confunde diariamente. A sua própria fé desilude-o. Incomodado, Diogo Cunha revela aquilo que mais o aborrece: as pessoas. “Por vezes, o que me faz pôr em causa a existência de Deus são mesmo as pessoas.”

Para o Prior do Estoril, Padre António Teixeira, esta dúvida é perfeitamente normal nos jovens. “Quando alguém se predispõe a encontrar respostas para as suas inquietações, e é confrontado com cristãos que o são apenas de nome – e não de vida, de exemplo, de testemunho - é absolutamente normal que as dúvidas permaneçam e magoem…”. No entanto, o pároco desvaloriza o possível afastamento de Diogo apenas por causa de alguns católicos menos exemplares. É pela dúvida, diz, que se encontram as certezas; por isso, essa interrogação não é mais senão “salutar para todos nós.Com o tempo, conclui-se que Deus está bem acima dos homens, dos contra-testemunhos e de todo o tipo de infidelidades. Basta esperar… mas não desesperar!”



Luís Trocado tem 22 anos, e desde pequeno encara a realidade cristã com seriedade. Educado no seio de uma família católica, este jovem fez questão de se esforçar por manter um ritmo de oração exigente: “Tento ir à missa todos os dias, mas às vezes custa assumir este compromisso.” No entanto - e apesar da sua confiança na vontade de Deus e nas decisões do Papa enquanto chefe da Igreja - Luís teme que os cristãos – as tais “pessoas” de quem Diogo falava - não consigam cumprir a sua missão de espalhar a mensagem de Jesus como quereriam. “Há uma enorme falta de coerência na Igreja. E isso é uma das coisas que mais irrita a quem vê as coisas “de fora”…! Se nós fazemos estupidezes, perdemos credibilidade. A mensagem que estamos a tentar transmitir não se torna credível... Por isso é que o Papa Bento XVI disse que o grande problema da Igreja estava no seio desta, ou seja, dentro da própria comunidade cristã…” Ao longo dos tempos, a Igreja foi cometendo atrocidades - como no caso da Inquisição - pelas quais o próprio Papa pediu perdão. “Nós não nascemos coerentes: nós trabalhamos a coerência…e isso demora tempo. Há que ir crescendo!”, refere Luís, consciente também das dificuldades que o Papa enfrenta por ter de guiar milhões de fiéis.

Desde as últimas décadas, o número de católicos espalhados por todo o Mundo tem diminuído significativamente. Por esta razão, grande parte dos cristãos optaram por se enquadrar numa nova designação: estes são, hoje, os não-praticantes. Não vão à missa com tanta regularidade, afastam-se do compromisso da oração ou simplesmente perdem o ritmo de participação nos acontecimentos das suas comunidades. Neste caso, Pe.António considera absurdo este “facilitismo” dos cristãos:

“Assim como não existem «pais não-praticantes», «mães não-praticantes», «ciclistas não-pedalantes», «católicos não–praticantes» é uma ilusão, cegueira espiritual, facilitismo instalado em gente que se afirma religioso mas que o não é de facto!” No entender deste pároco, a fé não pode deixar nunca de ser cultivada, trabalhada. De outra forma, seria impossível promover o Cristianismo. “Se ainda há, por exemplo, jovens com dúvidas – e que buscam compromisso e exigência nos próprios cristãos - não podemos cair no mero espiritualismo, no engano, no engodo religioso.”



Bernardo Trocado lutou sempre contra estes “espiritualismos” banalizados, procurando realizar um percurso de fé relativamente consciente no seu quotidiano. “Do meu primeiro grupo de amigos, só eu era católico.” Sem qualquer vergonha em assumir que acredita em Deus com tudo o que tem e pode dar, admite que a família foi o grande suporte para aquilo em que se tornou hoje. Admite também, no entanto, que o ambiente em casa foi sempre muito equilibrado: “Nunca tive de participar nas coisas da Paróquia por obrigação; eu sempre fui pelo meu próprio pé, mas com essa base importantíssima que eu trazia dos meus pais.”

Quanto ao seu primeiro grupo de amigos, Bernardo lamenta este afastamento gradual, mas entende que é o rumo natural das coisas. “Houve situações que foram entrando em conflito com a minha própria presença no grupo. Imaginemos… se calhar, uma noite para ir apanhar uma bebedeira, para mim, já não fazia tanto sentido; assim eu evitava estar por lá nessas alturas. Isso aos poucos vai, obviamente, fragilizando as relações. Havia coisas que eu achava que deixavam de fazer sentido para mim, e por isso fui estando menos… “

Tanto Bernardo como Luís têm presente na sua consciência a importância do acompanhamento dos sacerdotes no dia-a-dia dos católicos e, em especial, dos jovens. A este acompanhamento dá-se o nome de direcção espiritual. Os gémeos encaram estas sessões de “conversa” com bastante seriedade; curiosamente, são acompanhados pelo mesmo padre.

“A direcção espiritual não envolve apenas dúvidas espirituais relacionadas com a Igreja e a oração”, diz-nos Luís. “Tem uma dimensão muito mais prática. Tanto posso falar de uma miúda à qual estou a achar graça, como posso falar das minhas aulas, como do meu ritmo de oração.” Ao mesmo tempo, Bernardo reforça as palavras do irmão, referindo que “um católico é católico em tudo da vida; portanto a direcção espiritual serve para se falar de tudo (…)”.

De acordo com os gémeos, esta é então a melhor forma de o Homem se conhecer profundamente. “Eu consegui perceber – com a direcção espiritual – que sou um rapaz muito “sonso”, revela Luís, desabafando que “provavelmente nunca chegaria sozinho a essa conclusão, e nunca saberia que medidas tomar para o combater.”

A realidade do acompanhamento espiritual revela-se, nos dias de hoje, uma tendência crescente no percurso dos jovens católicos de Cascais e do Estoril. Nos últimos dois anos, aumentou exponencialmente a procura de padres dispostos a acompanhar os jovens destas duas comunidades, que cada vez mais se evidenciam no fervor com que encaram a Fé em Deus.

Cascais e Estoril distanciam-se por pouco menos de três quilómetros, mas aproximam-se cada vez mais, através da vida cristã fervorosamente encarada pelos seus paroquianos.

No passado ano sacerdotal, a comunidade acompanhou a partida de mais um jovem da Paróquia do Estoril para o Seminário Patriarcal de São José de Caparide, tornando-se a paróquia com maior número de seminaristas: precisamente quatro.

Ao mesmo tempo, o anterior ano contou com a realização de um Musical em comemoração dos 90 anos de João Paulo II, numa iniciativa da paróquia de Cascais. Mais de três mil pessoas assistiram ao musical, cujo elenco contava exclusivamente com jovens de Cascais e do Estoril. O sucesso do Musical levaria o projecto a expandir-se para as principais salas do país, tendo passado pelo Teatro Tivoli em Lisboa, e pelo Teatro Sá da Bandeira no Porto.

Para Luís Trocado, “a Igreja é uma comunidade a trabalhar em conjunto para a Santidade”. Nesse sentido, o jovem não teve dúvidas em aceitar o convite que lhe foi endereçado para participar no Musical Wojtyla, apesar de ter já muitos outros compromissos na paróquia. Luís é, actualmente, chefe do Coro do Estoril, e ao mesmo tempo catequista e líder de uma equipa de monitores de um campo de férias religioso. No entanto, as razões que o levaram a aceitar também o desafio de entrar no musical falaram mais alto: “no Wojtyla vemos este lado teatral, mas ao mesmo tempo muito humano. É um projecto “saudável”… Não é a típica beatice de Igreja. E isso faz a diferença! Nós sabemos que quando as pessoas nos vão ver, não ficam indiferentes, porque é uma forma especial de lhes levar algo de novo às suas vidas.” Por outro lado, a devoção e entrega com que os jovens da paróquia se têm movido em torno do musical Wojtyla tornou-se impressionante, apenas, pela sua simplicidade. Para Luís, “o que cativa as pessoas é a normalidade de fazer as coisas... Para fazermos coisas boas, não temos de estar sempre a rezar. Eu toco bateria no Musical, mas estou a servir, da mesma forma, toda a Igreja, e em particular a minha paróquia.”

O musical Wojtyla será então um dos espectáculos em exibição no Real Teatro de Madrid durante as comemorações da XXVI Jornada Mundial da Juventude. Luís, como não podia deixar de ser, estará presente.

As Jornadas Mundiais da Juventude – JMJ – são assim outro exemplo da fé cristã vivida pelo mundo fora – neste caso, pelos mais novos “peregrinos ”. Neste encontro mundial, o Papa convida os jovens a reunir-se, em nome de Deus, e por amor a Deus. O objectivo destas Jornadas consiste em congregar jovens de todo o mundo para celebrar e aprender sobre a fé católica; ao mesmo tempo, controem-se pontes de amizade e esperança entre continentes, povos e culturas. O programa das JMJ estende-se até quatro ou cinco dias de presença do Papa junto dos jovens fiéis, onde o líder da Igreja Católica “distribui” gestos de carinho pelos corações de todas as raças; durante os dias vão ocorrendo outros eventos como espectáculos, concertos, visitas aos museus dessa cidade, acompanhando-se sempre um período de catequeses sobre os temas que o próprio Papa colocou em destaque. Tudo isto se passa com uma variedade impressionante de línguas e nacionalidades, e onde nenhum dialecto é esquecido.

O primeiro encontro de Jovens de todo o Mundo ocorreu em 1986, em Roma, com cerca de trezentos mil jovens a aderir ao convite de Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II, recentemente beatificado. No ano seguinte, eram já um milhão de jovens em Buenos Aires que recebiam o chefe da Igreja. Aí, o Papa discursou directamente para todos os jovens do Mundo: “vós sois a esperança do Papa, a esperança da Igreja!” Este encontro mundial realiza-se sempre em cidades diferentes todos os anos, e o convite feito aos jovens é sempre recebido com muita alegria. O maior encontro da História deu-se em Manila, nas Ilhas Filipinas, no ano de 1995: a presença de quatro milhões de pessoas revelava, assim, o espírito de união da Igreja Católica, que agora movia os mais novos… como nunca o fizera antes.

A frase de São Paulo “Enraizados em Cristo, firmes na Fé” dá o mote para as celebrações do vigésimo sexto aniversário das JMJ, que se realizarão, este ano, na cidade de Madrid, com a presença do Papa Bento XVI, que esteve também já presente na anterior Jornada em Sidney.

A paróquia do Estoril afigura-se, desta vez, como uma das mais activas de Portugal, inscrevendo quase trezentos jovens nos últimos três meses. Para o Prior do Estoril, padre António, “poderiam ainda vir muitos mais. É essencial que todos os jovens sejam parte integrante desta festa. Poderiam vir muitos mais porque o resultado seria outro. Quantos mais se deixarem encontrar por Deus, em Cristo, quantos mais se deixarem enriquecer pelos dons e talentos dos outros, quantos mais se deixarem desinstalar e arriscar viver algo que desconhecem, maior importância terão depois nas vidas das pessoas com quem se vão cruzar.”

O fenómeno das Jornadas Mundiais da Juventude provoca, inevitavelmente, experiências inesquecíveis em todos os participantes. No entanto, para este fervoroso sacerdote, o futuro das sociedades de todo o Mundo depende da forma como os jovens encarem, não só a Fé cristã, mas como se consciencializem da importância da vida em sociedade; e as pequenas localidades beneficiariam bastante com todo esse impacto que os jovens causassem: “poderiam - e deveriam - ser mais, para que também o Estoril fosse “mais”…mais de Deus, mais da Igreja, mais da verdade, mais da justiça, mais da caridade, mais do amor…”



Porém, Diogo Cunha não se inscreveu ainda nestas Jornadas Mundiais da Juventude. As suas prioridades são neste momento outras. Interessa-lhe, primeiro, compreender as motivações dos cristãos. “Quando eu rezava todas as noites, acreditava que tinha “aquele” momento com Deus. E na verdade, até há bem pouco tempo, acreditei nisso…” No entanto, “a cegueira das pessoas revolta-me”. Os seus avós, assumidamente católicos, são também um dos motivos da revolta deste jovem; para ele, a maior frustração acaba por ser a forma como as crenças destes se tornaram “quase numa obsessão, num fanatismo”, quando sentiram a necessidade de “puxar” pelo seu neto: “eu sinto que eles perdem o raciocínio, quando discutimos sobre Deus”. Mais confuso ainda, Diogo revela: “É óbvio que a Fé não tem nada de racional, mas fico revoltado pelo facto de não poder acreditar em Deus de um modo seguro e convincente…!” O desabafo repousa, portanto, no medo de Diogo de se “tornar estúpido e cego.”, no que toca à sua fé.

São, assim, os amigos que o levam a carregar ainda esta “cruz” na consciência. Há pouco mais de um ano, Diogo colocou sobre si a hipótese de se vir a baptizar. Com o intuito de pôr à prova a sua própria fé, considerou que uma preparação para o Sacramento do Baptismo pudesse retirar todas as suas dúvidas. Ao mesmo tempo, não via a longo prazo grandes objecções ao seu percurso cristão, apesar das vicissitudes. “Os meus grandes amigos são quase todos católicos e são pessoas que eu admiro e em quem confio. Logo, se acreditam tanto em Deus, os motivos devem ser perfeitamente válidos”, diz.

Simultaneamente, o receio de Diogo em fazer bem as coisas não implica que esqueça o essencial: “ Eu defendo os valores da Igreja. Por isso não acho que seja relevante, nem tão-pouco conclusivo, acreditar só em Deus… Interessa acreditar em tudo.” No entanto, é bastante crítico em relação à sua passividade, que diz ser um grande entrave a todo este processo. “Realmente, não sei se é um confronto que quero ter já…” Quanto ao facto de se poder vir a tornar um católico fervoroso, a resposta foi simples: “acho que sou uma pessoa aberta e, por isso não coloco nada de parte…embora ache muito difícil que isso aconteça.”



A educação de cada um tornou-se a principal semelhança entre os três jovens. Diogo frequentou colégios portugueses e ingleses. Os gémeos Trocado concluíram o secundário ainda em escolas salesianas. Na verdade, toda a sua formação os levou a encarar a vida de diferentes maneiras. Mas é justo que a sociedade os coloque num outro pedestal, pelo simples facto de os seus valores os levarem a reflexões tão constantes e tão profundas. O importante é que a sociedade continue a construir jovens como estes para que permaneçam bem vivas as próximas gerações.

Provavelmente, as dúvidas de Diogo permanecerão durante mais uns tempos. Talvez com a ajuda de Luís Trocado consiga porventura chegar a alguma conclusão. Talvez uma “conversa” em direcção espiritual com o Padre António o ilumine. Provavelmente, quando Bernardo Trocado terminar o seu curso de Seminarista e for ordenado Sacerdote, procurará este Diogo Cunha para o converter num católico fervoroso. No fim de contas, é preciso que eles se conheçam primeiro, para lá destas linhas… Mas guardemos essas ambições para 2015, o ano em que o Padre Bernardo (um dos quatro seminaristas do Estoril) iniciará o seu percurso sacerdotal.

Estes são os jovens dos dias de hoje. Uns mais esclarecidos do que outros, quanto às suas certezas; uns mais convictos do que outros, no que toca aos seus compromissos. No fim de contas são, todos eles, exemplo para uma geração “à rasca” de consciência, de bom-senso, de princípios básicos. Ninguém lhes poderá apontar o dedo por serem irresponsáveis ou simplesmente indiferentes ao que os rodeia… Todos lutam por encontrar aquilo em que são verdadeiramente eles próprios. Procuram ser, todos eles, “santos na consciência”, independentemente das suas crenças ou convicções; e este é, verdadeiramente, o caminho para a Salvação da nossa sociedade.

Gonçalo Castelbranco

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